26 outubro 2002

Estou a aprender a viajar no meu quintal



Estou a aprender a viajar no meu quintal


[... ]

Sou o que os russos chamam um perturbador de Deus ,
estou sempre a incomodá-lo .

Algo está lá , algo que não sou eu nem você .
Às vezes , sinto uma "real presença" ,
como George Steiner lhe chamou ,
assim ,
com o adjectivo antes do substantivo .
A expressão que me ocorre é . . . um amor .
Pressinto um amor que é mais do que a soma dos amores .
Não sei o que seja ,
digo Deus porque é a palavra mais fácil .

[...]

Acerca do seu livro Cartas de Veneza

[...]

A viagem não tem um fim;
é, em si, um fim.

É o momento que estou a viver
que tenho de investir de significado
É o momento que estou a viver que tenho de investir de significado
— esperar pelo próximo eléctrico,
ficar a ver os pombos debicaram migalhas de pão,
olhar para a cara de alguém.

[...]

A Europa não está a morrer,
mas vocês estão cansados.
Já não sabem quem são,
estão a tornar-se uma colónia dos estados Unidos da América,
os jovens em particular estão completamente colonizados,
a linguagem, a cultura, a música.

Claro também acontece na Austrália.
Mas a sensação que tenho na Europa,
que tem qualquer Australiano,
é que aqui há demasiadas pessoas.
Não consigo encontrar natureza no sentido australiano,
uma terra completamente virgem.
Posso viajar três horas na minha terra e não ver um ser humano,
uma casa,
nada.
E perco toda a minha relevância nesse vasto e belo mundo.

[...]

Robert Dessair

em entrevista a Alexandra Lucas Coelho
Secção Mil Folhas
Jornal Público
26 Outubro 2002

01 outubro 2002

Como me encontrei com deus?



Como me encontrei com deus?


Não encontrei deus em lado nenhum ,
ele sempre esteve aqui !

Fui-me reencontrando com deus aqui e ali ,
em lugares mais ou menos ortodoxos para o reencontrar !
Achei-o muitas vezes em lugares comuns
disfarçado nas coisas mais simples :

Rostos . . .
olhares . . . e vozes . . .
Livros . . .
filmes . . .
No meio de uma floresta . . .

ou a olhar o mar .


Existiram momentos significativos ,
uns mais que outros . . .

Aprendi a não esperar nada da vida ,
a não criar expectativas !

Assim as coisas mais pequenas têm outro valor . . .

Os pormenores que ninguém repara
são tantas, tantas vezes o que merece a pena olhar e ver . . .


E foi assim que ,
lentamente . . . muito suavemente ,
me fui reencontrando com o meu deus .

Não sei porque o perdi ,
ele esteve sempre comigo . . . dentro de mim .
Eu é que deixei de o ver .

Ao meu deus há quem chame fé ,
esperança
ou a capacidade de sonhar !

Ultimamente também lhe tenho chamado pai natal, em tom de brincadeira !

Alguém um dia escreveu :
“ . . . as tristezas têm encoberto as alegrias . . . ” .

Se deixarmos ,
as tristezas encobrem as alegrias .
Mas se dermos mais valor a certas coisas ,
aparentemente pequenas ,
não permitimos que isso aconteça !

Temos que dar uma ajudinha para que a vida nos corra melhor .

Por vezes
Reparar ,
Olhar ,
Ver

certos aspectos da vida
leva-me a pensar :
- Como é possível existir algo assim e eu nunca ter reparado ?

Porquê não VER um sorriso ?
Porquê não VER um olhar ?

Porquê não comprar uma planta e maravilharmo-nos com ela ?
Ou melhor ,
porquê não nos metermos no metro ?
Irmos ao Jardim Botânico . . .
- Pelo menos fazemos com que seja importante . . .
e visitamos a árvore da borracha que está mesmo na entrada.
É uma árvore enorme, muito, muito antiga .

Certamente que ela nos ouve ,
nos faz ouvirmos a nós próprios .
Porquê não pensar . . . falar com ela ?

Porquê não olharmos aquele ser vivo ,
sábio . . .
que tem a sabedoria única que apenas a idade traz consigo ?
Sentarmo-nos envoltos nos seus enormes braços
e sonharmos . . .
Imaginarmos que histórias teria aquele ser para contar ,
se pudesse falar ?
Que histórias de tanta e tanta gente que ali passa ,
sobre quantos namorados e namoradas se sentaram ali abraçados
a fazerem promessas ?
Que bons e sábios conselhos nos daria ?
Hum ?

Porquê não ir ver o mar ?
Ficar por lá ,
conversar com ele ,
com os peixes ,
com as conchas . . .

E encontrarmos o que realmente somos ,
o que realmente queremos .


Que mundo perfeito, não ?

- NÃO ! . . . que mundo que pode ser visto com olhos mais optimistas e sonhadores !


Outono 2002