31 agosto 2003

Leituras desvairadas e os sublinhados



Leituras desvairadas e os sublinhados

Estava a pensar: que raio de vida a minha!
Tenho tendência a pensar que sou muito estranha!
A sensação é a de que as outras pessoas acham,
em definitivo,
que eu não sou normal!
Tenho a ideia que a generalidade das pessoas é coerente!
Faz uma ou duas coisas de cada vez!
Não consigo viver assim!
Sou incoerente, sou polémica e pouco monótona!
A monotonia mata-me! Definho!
Por exemplo,
alguém imagina quantos livros é que eu estou a ler ao mesmo tempo?

3, às vezes 4!

Só cá estou há 7 dias e já comprei 3 livros diferentes!
Para os mais curiosos - aliás 4! -
comprei um livro de museologia,
o Lord of the rings do Tolkien,
Shock do Robin Cook
e The Rabbi do Noah Gordon !!

Desde que cheguei já li os sublinhados do On Writing Well do William Zinsser,
estou a tentar recomeçar a ler Conversas com Deus – livro 1,
trouxe comigo Coversas com Deus - livro 2
e o The Zen of Writting !

Sim!! Eu disse os sublinhados!

Durante anos defendi que os livros são sagrados
e que não devemos escrever neles!
Agora defendo que os livros são sagrados,
e que a seguir à minha casa é o bem material mais importante da minha vida, mas defendo que os livros sublinhados são uma parte íntima do meu ser,
pois os sublinhados mostram o que de mais importante
para mim existe dentro deles!
Mostram bem a minha alma a quem agarra neles e os desfolhe!


Madrid
Outubro de 2002


Passados 11 meses de ter começado a escrever
as primeiras palavras desta Insónia,
que não me apetecia ter publicado por serem muito narcisistas,
apercebo-me que não escrevi que os Sublinhados
não só revelam a minha alma a quem os lê,
mas que também me recordam os meus próprios estados de alma
na altura em que os sublinhei
e que isso é muito importante
para fazer um reencontro com a Rita que existia nessa altura
e que certamente não é a mesma dessas alturas...
A vida é uma constantemente mudança.
Pode ser também um reencontro com a actual Rita...
Há convicções que aparentemente não mudam nunca...
ou que pelo menos demoram muito tempo a mudarem.


Algures na Serra da Estrela
31 Agosto 2003

Apaziguar a dor...



Apaziguar a dor...


Será que ao encontrarmo-nos com o silêncio dos locais tão bem conhecidos,
que foram mutando ao longo do tempo,
já muito tempo,
mais de uma vintena de anos,
talvez mesmo já um quarto de século,
nos vem à memória agradáveis momentos que passaram na infância,
na qual nos sentíamos seguros... ou não...

Será que acontece sempre ?

Quando chego ao varadim silencioso
e estou completamente só,
eu, a casa, a água, as redes brasileiras penduradas,
tal fotografia de revista de decoração,
ou como todos imaginamos a casa de campo confortável dos nossos sonhos,
sinto algo estranho invadir-me.
Estranhamente sinto uma mistura de solidão e de preenchimento insuportável.
Mas que igualmente estranho um sentimento apaziguador das dores,
tantas vezes insuportáveis.

Quem me conhece mal,
não imagina sequer uma pequena parte da dor que me consome diariamente,
que tantas vezes me perturba o sono subtilmente
sem que disso me aperceba racionalmente.

Acho que não tem passado um único dia em que a dor não bata à porta.
Há dias em que essa dor é mais suportável,
por vezes é apenas uma passagem muito rápida.

Passa apenas para não me esquecer dela,
consome-me devagarinho, muito devagarinho e envelhece-me...

Apesar de alguns me darem uma idade muito mais jovem
do que a que realmente tenho.
talvez se deva ao meu ar jovial e peculiar da minha maneira de vestir
ou mais raramente da minha maneira de ser,
quando a dor não é tão forte.

Aqui não há luz de uma vela,
mas de um bonito candeeiro de pé que me ilumina o ecrã
e o teclado e os dedos com que escrevo o apaziguamento que sinto
quando os dedos tocam as teclas ao de leve.

Teclo, teclo, teclo, teclo no meio deste silêncio,
perturbado apenas pelo barulho de um pardal de telhado,
de um grilo, pela queda de uma pinha,
do miar do gato ou do ladrar do cão bem lá no fundo.

Sinto o peito apertado,
mas mais apaziguado pelo silêncio da solidão.

Só eu... a noite, uma grande lua em quarto minguante.
É uma boa fase da lua para terminar projectos,
fazer limpezas e arrumações.

Dizem...

Estou calmamente só com os meus pensamentos...
por vezes menos agradáveis, as dúvidas e as incertezas,
mas também a fé e a esperança.

Aparentemente,
agora,
nada mais me faz falta...

Ilusão !


Como se me pudesse alimentar da escrita e de um simples café com adoçante!
Como se pudesse viver muito tempo sem contacto humano!
Amanhã quando o Sol nascer vou sentir falta de uma voz,
de um cheiro humano, de uma boa conversa ou discussão.

Amanhã quando o Sol raiar vou sentir a falta de ti!
Hoje não!
Hoje medito, hoje sinto ilusoriamente que nada mais preciso para sobreviver
do que esta luz, este silêncio, estas teclas, este ecrã,
o sino que toca na aldeia e do café aqui ao meu lado.

Apetecia-me um cigarro.
Nem os vou procurar!
Certamente haverá algum maço perdido por aqui numa casa de fumadora
que não está presente!
Receio que cada vez menos presente na minha intimidade...
Receio tanto...

As boas memórias
que vêm como faíscas para me queimarem
quando tenho as mãos na energia do varadim de madeira lá fora,
recordam-me que antigamente acreditava no valor da Família,
não como sendo uma instituição,
mas como algo espontâneo e natural ...

Será que estava enganada pela ingenuidade ?
Não encontro o Amor antigo que protegia
e que me fazia sentir coesão.
Não vejo essa coesão há bem mais de 10 anos... Deus...
Agora que escrevo me apercebo que são já tantos anos... dez ...

Esta dor violenta que me trespassa a garganta e o estômago...

O silêncio parece tudo apaziguar...
Mas sei que quando ele terminar o apaziguamento foge,
esconde-se na escuridão...

O café arrefeceu...


E o meu coração quente da revolta ? Arrefeceu ? Arrefece?

Tem arrefecido ...

As pessoas de antigamente parece já não terem um lugar doce dentro de mim...
Perdi-me delas, do seu coração...
Por vezes sinto o coração a gelar devagarinho... e com ele a alma a arrefecer...

A exaltação das convicções dá sempre mais tarde lugar ao seu arrefecimento ...

Tenho medo de ficar com a alma escura...
Arrefeço pois,
por vezes,
não consigo encontrar aquele sentido que preciso de sentir
para continuar em frente.

Bebo o meu café
e sinto-me completamente embriagada pelo silêncio...
Ou será que me sinto embriagada
pelo reencontro com a infância,
da qual não tenho quase recordações?
Ou se as tenho sinto uma nostalgia de dor,
como se fosse uma pessoa já velha...
que não sou...


Toca o telefone ... e embriaguez cessou...


Algures num local Silencioso na Serra da Estrela
31 Agosto 2003

30 agosto 2003

O silêncio das férias



O silêncio das férias


O que mais me faz falta
desde que terminei a licenciatura é o não ter tempo para o SILÊNCIO,
tão essencial na minha existência como ter que beber água.

Parece que perdi quase o meu direito a tê-lo.
No local da minha fonte de rendimento,
à qual não posso designar emprego,
já estive em piores condições de ruído.

Contudo continuam a existir ruídos,
por vezes insuportáveis.
A estupidez humana é um ruído altamente perturbador para o meu cérebro.

Chamem-me, então arrogante! Podem fazê-lo!
Nada temo,
pois tenho a minha consciência tranquila em relação a este assunto.


Desviei-me agora, por momentos,
do objectivo pelo qual escrevo esta Insónia.
Ora retomemos as minhas palavras silenciosas ao som de Lord of the Dance.

Iniciei a leitura de um livro de uma colecção fascinante
cheia de silêncios e paragens inteligentes.
A revista XIS - Ideias para Pensar,
que já me acompanha há longos meses,
lançou este Verão uma colecção de livros para Pensar.

Desta feita, escolhi o Elogio do Silêncio de Marc de Smedt
para trazer dentro da mala na minha viagem solitária,
com perspectivas de ser Silenciosa,
até aos meus avós.
Pareceu-me um dos títulos mais adequados
às minhas prementes e urgentes ansiedades de SILÊNCIO interior.

Iniciei há umas semanas um livro
que se tem vindo a revelar de uma extrema violência.
Não sei,
sinceramente,
se poderia esperar outra coisa d' A ultima Amazona.
Tenho vindo a lê-lo,
por vezes com intervalos de dias,
mas não sei se vou conseguir terminá-lo.

Para quem ansiava por silêncio
esta é uma história ruidosa em vários sentidos,
de tão perturbadora que é.

Agora que estou a ler um elogio ao silêncio,
à calma, ao sossego e à meditação,
não sei se me apetece ler algo tão desassossegante
e tão desumanamente humano.

Esta Insónia devia revelar-se uma "luta",
ou melhor,
uma demonstração,
ou melhor ainda,
uma reflexão sobre uma mudança de "emprego",
essencial para deixar vir o que há de melhor no meu interior.
E que deveria permitir um dar largas à minha imaginação
e um trabalho árduo para construir algo verdadeiramente meu,
de que me pudesse orgulhar e gostar simultaneamente...
Que me desse a sensação
de dever cumprido para com as minhas convicções.

Mas para isso era necessário algo que me desse financiamento e Silêncio.
Será que isso existe?!

Tenho-me feito esta questão tantas vezes ultimamente
que já lhes perdi a conta.

Actualmente,
nada vou fazer,
pois para além de estar de Férias,
tenho que viver os acontecimentos académicos que se seguirão em Outubro.
Só depois de verificar esses acontecimentos
tomarei uma mais séria decisão...
Ou não tomarei
e ela ficará pendente por mais algum tempo.
Vamos ver...


"... é da atenção que se dá ao silêncio do pensamento
que nasce toda a criatividade." Marc de Smedt

Tendo esta frase como pressuposto,
então pela lógica da matemática,
a verdade é que estou a escrever esta insónia
e a reescrever outras já antigas,
ainda não publicadas aqui,
devido ao precioso silêncio em me encontro
acompanhado apenas pela ventoinha do computador
e pela música de Simon e Gurfunkel em versão New Age.


Esta Insónia continuará...espero...


Algures num local Silencioso na Serra da Estrela
30 Agosto 2003

O que os outros escrevem: Tudo o que não se dá



Tudo o que não se dá


Tudo o que não se dá, perde-se.

[...]
Madre Teresa de Calcutá.

Tudo o que não se dá,
perde-se dentro de nós.

[...]
Não se trata de dar para que as coisas não se percam ou desvalorizem,
mas de dar para ficarmos interiormente mais ricos.

[...]
Fica para sempre perdido
porque é impossível resgatar um gesto,
um olhar ou uma atenção que não se teve no momento certo.

[...]
nada é tão enriquecedor para nós
e para os outros como aquilo que se dá quando é preciso.
Quando alguém precisa.

[...]
acontece, especialmente,
com tudo aquilo que guardamos dentro de nós por não sabermos dar,
por não conseguirmos dizer,
por não sermos capazes de confiar
ou ser difícil entregar.

Laurinda Alves
Revista XIS Ideias para Pensar
Nº221 pág. 1
30 Agosto 2003
Suplemento do Jornal
Público